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A Arte que me Habita




As emoções me atravessam, me habitam, me povoam, me possuem. É através delas que processo um entendimento do mundo e que me deixa sintonizada com a magia da vida.

Uma das minhas infantis preocupações era saber pra quê servia saber desenhar, mesmo porque nunca recebia incentivo para desenvolver esta habilidade, por assim dizer. O que me admirava era ver os outros admirados pelos desenhos que eu conseguia fazer. Eu não gostava de desenhar paisagens, flores e casas, embora soubesse. Eu gostava era de desenhar gente.

Durante muito tempo esta questão: “pra que serve?”, ficou em murmúrios na minha cabeça

Cheguei a parar a produção durante anos e neste ínterim me envolvi com outros fazeres, me prometendo um tempo, com data para o recomeço, uma ideia de compromisso e clareza do uso desta forma de expressão.

Enquanto isso a arte cênica, cinema, figurinos, reforçaram a busca desta identidade. A dança, a música, a poesia, a ópera povoavam meus pensamentos em tempo absoluto. Então houve um tempo em que entendi que o desenho é minha escrita, minha emoção, meu entendimento de mundo, minha música, meu bailado, meu poema, minha voz, sou eu ali sem máscaras, então voltei. E voltei apaixonada por me desvelar, por me revelar, por me integrar, por me inserir, por me infiltrar, interagir, amalgamar; me sinto ponto como o mundo. Sou todos e sou um.

É possível neste momento falar d’A Pele em todos os sentidos, mas para falar de algo tão intenso, tão profundo, tão vital e tão de todos, eu não poderia falar sozinha. Era preciso aumentar a voz e essa voz toma volume e toma sonoridade quando se unem muitas vozes que falam no mesmo tom. Por isso convidei vários artistas de vários segmentos das artes, que tem uma poética voltada para o telúrico, para compor esta exposição que tem uma leitura de um grande... de uma grande instalação, que fala da poesia da vida e da longevidade do planeta. E para falar de algo tão misterioso que é a vida, proponho imagens bonitas, mas pungentes; coloco questionamentos que não tenho respostas. Penso que ao propor esta exposição, somando olhares diversos, cada um que entre aqui possa vislumbrar um caminho. Por isso vos convido a adentrar na “A Pele”.

É preciso pontuar que, em um determinado tempo da minha vida, eu só dizia “sim”, inclusive para as coisas que eu não gostava ou não concordava. Depois, tantas coisas somaram e subtraíram que, do mais profundo do meu ser, aprendi a dizer “não” para as coisas que não aprecio. Aprendi neste momento a importância de um não, quando necessário, percebi isso, que isso tem vida, tem história, valor. E se acredito no que apresento, isso me instiga a prosseguir mesmo diante de um não do outro. Aprendi que tudo depende em que tempo e que forma apresento. Pensando assim um não agora pode ser o sim que espero depois. É preciso tempo para refletir e considerar conexões saudáveis, tanto para mim, quanto para o outro. Nisso, penso, é baseado na importância e respeito que damos para tudo que nos rodeia. Então, esta forma de me posicionar passou a ser uma constante. Por exemplo, como falar para o outro de coisas que entendo como importantes para mim e para ele? Como ter a possibilidade de um sim e esperar que me escute, me olhe, me concorde, me assimile, me compartilhe, tornando-se ele

também um disseminador da minha fala, por concordar que o quê falo é a voz que ele também sibila?

Dessa forma, sigo minha intuição, colocando minhas imagens de forma... de forma bela, meio que irreais, provocando o imaginário, aludindo a sonhos... São figuras desnudas, míticas, arquetípicas, gigantes como a gritar aos olhos e penso que, por estar à altura e dimensão dos que passam, estes possam parar um instante e escutar o que falo, é assim que sinto, primeiro elas, as imagens, se apresentam pra mim como emoção e como em meio em águas, nado traçando linhas, formas, cor e em braçadas chego à terra e é como se nesse momento contemplasse a imensidão do oceano. Só depois é que tenho noção do que fiz, do que montei e a sensação que me ocorre é que já estava tudo orquestrado, antes mesmo da minha primeira emoção.

A gente vai tendo experiências, vai acrescentando no nosso portfólio essas emoções, elas vão ficando ali, como... como assuntos pra serem resolvidos. Em nenhum momento eu pensei, quando fiz isso aqui, eu pensei na minha mãe, mas tudo que está aqui são questionamentos que eu faço ao longo da minha vida. O acidente da minha mãe, ele veio pra somar sobre a minha história. E se você viu essa ideia ali colocada, pode ser... só que não foi intencional. Eu não me baseei naquele assunto para fazer esse aqui, esse daqui é um assunto que é um questionamento que eu acho que é de todo mundo. Aí eu utilizo as minhas emoções que de repente eu nem percebo mais, mas que estão incrustadas em mim, para eu poder expressar os meus pensamentos, porque é isso que faz cada um, é isso que faz o estilo de cada um, são as vivências, são as emoções, são as suas experiências... é que faz esse registro dentro de você.

Exponho minhas imagens tangendo o belo, pois acredito no que sinto e que o que sinto o outro poderá também sentir. E esse assunto da existência que desliza por todos os meus poros e que vezes muitas me ultrapassa e fica à frente como um grande luminoso, me anunciando, o ser ou não ser, é um assunto que vai além de mim, é um assunto que turbula minha alma. Aqui, certamente, é a fenda que através ouso avistar o cume da grande pedra, aqui, onde busco a conversa com o outro. Sou tão abismada com a existência, que me deixo labirintar pelo ser que habita em mim. Conversar sobre isso, penso, é estar atenta pra ver e de fato enxergar a tudo que me circunda; conversar sobre isso, penso, é presenciar, reconhecer um possível fio de sustentação que leva mais próximo do ponto de equilíbrio. É como dar o mergulho da ninfa. Esse processo me direciona a pensar minhas exposições, tangendo o dual, propondo conversas para refletir distâncias entre um ponto e outro. Na exposição “A Pele”, utilizo esta conversa de forma óbvia:

Primeiro: a pele do corpo e a pele do chão.

Segundo: a árvore, representada na parede e a árvore, objeto no chão.

Terceiro: a figura que se completa quando vista de um ponto estratégico.

Quarto: a corrente de vários olhares para a questão árvore-floresta.

Quinto: a árvore que tange o Céu e a Terra.

Sexto: o filme que conta uma história e o outro que silencia pra escutar.

Sétimo: a pele do outro e a pele de qualquer um.

Oitavo: as figuras pintadas, dispostas nas paredes para serem contempladas e as bolas no chão, provocando movimento, a dispersão.

Nono: o painel, pintura propondo a ideia do respirar da Terra e o respirar do Homem. Décimo: a frase na parede que diz uma coisa e faz refletir outra.


Em todos os dez espaços, exponho o um e o outro como espelho, não como reflexo. A proposta é: como emoção.

Nessa conversa, se houve um diálogo, certamente houve um silêncio.


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